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As mudanças de 2022 na segunda fase de Português (ou: "O CACD precisa aprender matemática básica")

Com o lançamento do Edital nº 1, de 15 de fevereiro de 2022, estão definidas as datas de realização das provas do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática — CACD.


No que diz respeito à prova escrita de Língua Portuguesa, teremos um prazo menor entre ela e a primeira fase: apenas 13 dias, o menor espaço entre primeira e segunda fases dos últimos anos. Contudo, a maior mudança, para fins de estratégia de prova, ocorreu na fórmula da nota relativa aos aspectos microestruturais (a forma).


Anteriormente, o cálculo era simples: você pegava a nota máxima possível e subtraía dela o número obtido pela multiplicação entre o seu número de erros e o valor da penalização por erro definido pela banca.


Em 2022, a fórmula tornou-se aparentemente bem mais complexa, uma impressão inicial que é rapidamente transformada por uma mera análise superficial. Vamos lá. Temos as seguintes definições importantes, no próprio edital:


CGPL = Correção Gramatical e Propriedade da Linguagem

PNE (Penalização por Erro) = 0,3 (Redação) ou 0,35 (Resumo e Exercício)

1C = Capacidade de Análise e Reflexão (Redação)

CSC = Capacidade de Síntese e Concisão (Resumo)

ADT = Apresentação do Tema (Exercício)


A fórmula inicial é


CGPL = (20 × (1C ⁄ 20)) - PNE.


No caso do exercício e do resumo, a fórmula é


CGPL = (10 × ((CSC ou ADT) ⁄ 10)) - PNE.


Logo de cara, podemos ver dois problemas matemáticos em ambas as fórmulas. Se você se lembrar das suas aulas de matemática da quinta série, você vai notar que (1) os parênteses não deveriam ser usados nessas fórmulas, dado que a multiplicação e a divisão precedem a subtração; e (2) multiplicar e dividir um valor pelo mesmo número é a mesma coisa do que nada. Resumindo, as fórmulas são:



Ou, em outras palavras: a nota de forma, em Português, será a nota de conteúdo (ou a nota de capacidade de análise, no caso da redação) subtraída de PNE. Fácil, né?


A banca tentou fazer o mesmo que eles fizeram nas demais provas de línguas: vincular a nota máxima de forma à porcentagem da nota de conteúdo do candidato. Só que ela se esqueceu de que, no caso da prova de Língua Portuguesa, isso não faz o menor sentido, dado que a nota de forma e a de conteúdo têm o mesmo valor.


Algumas pessoas podem considerar que eu talvez esteja sendo exageradamente preciosista – o que, sendo honesto, eu sou mesmo –, especialmente no que diz respeito ao ponto (1). Estamos, contudo, falando de uma banca formada por indivíduos indicados pelo MRE; de uma banca que, em centenas de recursos de línguas do ano passado, ensinou aos candidatos, em texto copiado e colado ad nauseum: “Há que se ter mais esmero na escrita”. Não é apenas justo que demandemos de uma banca de tão alto calibre o mesmo esmero que ela demanda dos candidatos? Eu diria que sim, ainda mais no edital, documento responsável por definir todas as regras do CACD 2022.

Foto: banca mostrando todo o seu esmero. E sim, isso foi retirado de um recurso real.

Há, contudo, um terceiro problema, muito mais sério, que perdura desde o edital de 2020/21 e que aparentemente passou despercebido: a fórmula não contabiliza o número de erros do candidato.


Vamos lá: como eu disse ali em cima, a própria banca define para nós que PNE significa “Penalização por Erro”, e também define que seu valor é uma constante, não uma variável. Veja no próprio edital:



Voltando às nossas fórmulas, temos, portanto:


Redação: CGPL = 1C - PNE

CGPL = 1C - 0,3

Resumo e Exercício: CGPL = CSC ou ADT - PNE

CGPL = CSC ou ADT - 0,35


Sim. Se seguirmos a fórmula, a penalização é um valor constante equivalente a um erro, para todos os candidatos do concurso. Ah, e este post aqui diz respeito à prova de Português, mas o mesmo problema se reproduz em todas as demais provas de línguas. A única coisa que muda é o valor da constante.


“Mas professor”, eu já ouço você falando, aluno hipotético que criei para continuar meu argumento, “é razoável supor que a banca gostaria de ter escrito PNE x ‘número de erros’, né?”. Sim, é razoável. Contudo, não é isso que está escrito, e um edital não é publicado para que se aplique aquilo que a banca quiser. Em um edital público, aplica-se a letra da lei. Razoável seria, na minha humilde opinião, demandar que a prova seja corrigida dentro de critérios claros e transparentes, definidos em edital.


Como comentei acima, esse erro já estava presente no edital de lançamento do CACD 2020. A fórmula de CGPL era mais simples (nota máxima de forma menos PNE), mas PNE também estava definida como uma constante.


O que ocorreu na prática? Eles corrigiram todas as provas de línguas como se a fórmula fosse, na verdade PNE x “número de erros”. Não me consta que tenha havido qualquer ação, por parte de candidato ou do Ministério Público, no sentido de questionar essa mudança. O que nos leva à mais relevante das questões para agora: afinal, o que isso significa para o CACD 2022?


A banca pode fazer uma retificação via edital ou – e essa é a opção em que eu apostaria – pode simplesmente aplicar a fórmula como se o número de erros fosse parte dela, como fizeram em 2021. De qualquer modo, é nula a chance de eles aplicarem a fórmula como ela está escrita agora, dado que isso levaria a uma correção francamente bizarra.


E o que a nova fórmula significa para as notas de Português? Tudo o que eu escreverei a partir desse ponto tem como pressuposto que a banca contabilizará o número de erros de cada candidato na nota final, seja acochambrando o edital como em 2021, seja por meio de uma improvável retificação. Temos, nesse sentido, três principais consequências.

1) Queda na nota final


A nova fórmula significa, tudo o mais constante, uma queda na nota total de Português. Isso porque o valor máximo da nota de forma, que era fixo até 2021, passou a ser conectado, em uma proporção de 1:1, à nota de capacidade de análise (no caso da redação) ou à nota de conteúdo (nos casos do exercício e do resumo).


A correção de 2021 manteve a tendência de 2019 de ser extremamente leniente no âmbito do conteúdo, abandonando a correção mais criteriosa – e, sinceramente, de muito melhor qualidade – que caracterizou as provas entre 2014 e 2018. Em 2021, a média foi de quase 95 pontos, a maior entre as provas que compõem a nota final; e o desvio padrão foi de cerca de 1 ponto, o menor de todas as provas. Ademais, as notas relevantes para a definição do quesito CGPL – 1C, ADT e CSC –, considerando a esmagadora maioria dos candidatos, ficaram entre 17 e 20, entre 8 e 10 e entre 9 e 10, respectivamente. Esses seriam os pontos de partida para as notas de forma, em 2022.


Mantida a tendência, portanto, estamos falando de uma queda de algo entre 1 e 6 pontos, a depender do desempenho em conteúdo de cada pessoa.


2) Penalização efetivamente dobrada no que diz respeito ao conteúdo

Por conta de como a fórmula funciona, especialmente no que diz respeito a multiplicar e dividir a nota de conteúdo pelo mesmo valor, temos uma proporção de 1:1 entre penalização nas notas relevantes para calcular CGPL (novamente: 1C, ADT e CSC) e penalização no próprio quesito CGPL. Tirou 18/20 em Capacidade de Análise na redação? OK, você automaticamente perdeu 2 pontos em CGPL. Tirou 10/20? 10 pontos a menos em CGPL. E assim sucessivamente, em todas as atividades.


Note, portanto, que o efeito dessa mudança poderia ser devastador caso a banca volte à correção mais criteriosa que era característica do período entre 2014 e 2018. Nesse ponto, vale notar que o diplomata mais experiente na banca de Português, Alessandro Warley Candeas, é o mesmo desde 2018, ano em que a média da nossa prova ficou abaixo dos 76 pontos e em que o desvio padrão foi um dos três maiores entre as provas do concurso.


Na tentativa de encontrar padrões, algumas pessoas tendem a conectar a troca de bancas (de CESPE/CEBRASPE para o IADES) com a mudança no padrão de correção. Em relação a isso, digo que, ainda que possa haver alguma relação, não se pode esquecer que o MRE tem influência gigante na indicação dos corretores, de modo que a troca da banca em si não precisa necessariamente afetar o método de correção e de elaboração das provas. Podemos ver isso claramente na própria prova de Português, que continua sendo estruturada dentro dos mesmos critérios dos últimos anos, e na prova de primeira fase, que continua largamente sendo uma prova “estilo CESPE”, especialmente no que diz respeito à elaboração das assertivas.


Tudo isso dito, não quero ser alarmista. Consideradas as tendências demonstradas nas últimas duas provas, eu estaria mais disposto a apostar em continuidade do que em ruptura.


A lição que fica, portanto, é simples: tudo o que você perder nos quesitos 1C, ADT e CSC, você também perde na nota de forma.

3) Diminuição da importância da forma como aspecto determinante da nota final


A mudança do edital de 2022 dá continuidade à tendência de minimizar cada vez mais a importância da forma para a definição das melhores notas de Português e, consequentemente, dos aprovados no concurso.


Isso não é novo. Foi-se, faz tempo, a época em que apenas o conhecimento de gramática e a aplicação de algumas estratégias extremamente restritivas de técnica de escrita levavam a bons resultados no concurso. Mesmo entre 2014 e 2018, anos em que a forma era metade da nota total da prova e em que cada erro de microestrutura era penalizado em um ponto, aqueles com as maiores notas eram os que conseguiam unir boa forma a bom conteúdo e boa estratégia de prova.


O que era implícito naqueles anos, entretanto, tornou-se explícito a partir de 2019, principalmente por conta (a) da diminuição da penalização por erro, que hoje é de 0,3 na redação e 0,35 no exercício e no resumo; e (b) da mudança na composição da nota total da redação: os 60 pontos totais, divididos igualmente entre forma e conteúdo, passaram a ser divididos em 20 pontos de forma e 40 de conteúdo.


Com a nova mudança, ao limitar a nota máxima de forma à nota máxima de conteúdo do candidato, a banca cria uma situação em que um texto fraco, em termos de qualidade de escrita e de cumprimento do solicitado, será ainda mais fortemente penalizado por conta disso do que em anos anteriores.


Claro que peso dessa mudança, contudo, depende diretamente da qualidade e da severidade da correção de conteúdo, já debatida no ponto (2), acima. Entretanto, ceteris paribus, ainda estamos falando de uma penalização maior do que a de anos anteriores.


 

Por enquanto, é isso. Qualquer dúvida, entrem em contato comigo, e bons estudos tanto para a prova escrita de Língua Portuguesa quando para o CACD 2022!

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